Contos

A Aventura Quase Trágica do Senhor Coelho (*)

-Você sempre foi pessoa? indagou de repente a Lagartixa. E continuou, depois de dar uma de suas corridinhas e estacar subitamente: 

-Pergunto, porque me perguntaram e LAGARTIXAMENTE não sabia não. 

Alice ficou duas vezes surpreendida. Primeiro pela pergunta e,depois, pelo declarado motivo dela ser feita. Será que traduzira bem a fala da amiga? Às vezes, isso ainda era meio complicado.

-Se sou pessoa? No sempre?  No geral? Não sei direito. Sou algo assim, por enquanto - respondeu devagar na voz e no gestual do corpo todo.     

Ao notar que a lagartixa ficara com a cabecinha de lado e olhando para ela com um olho só, o que significava que estava refletindo na sua resposta, Alice quis brincar:

-Isso é o que PESSOAMENTE temos para o momento!    

Mas a Lagartixa se endireitou e falou de forma muito séria. Séria  até demais.

-Não gosto dos seus ‘por enquanto’. Eu ME LEMBRO:  foi o que você disse quando o Senhor Coelho sumiu: ‘Está desaparecido por enquanto...Por enquanto, não sabemos...Por enquanto, as notícias são confusas...’

-Entendo, Lagartixa, mas não é a mesma coisa - desculpou-se Alice.

-Ah! Esse por enquanto de agora é diferente do por enquanto daquela vez? Aliás, o Senhor Coelho nem apareceu e nem foi encontrado, por enquanto...

-Como é que você sabe? – indagou uma outra vez surpreendida Alice, e já aproveitando para mudar de assunto, porque uma imensa rede de nós de dúvida se formava dentro da cabeça, todos com o tal (por enquanto) entre parênteses, sublinhado, entre aspas ("  "), ponto e vírgula (;;;;;), pontos de interrogação(????) e tudo misturado com a imagem do Senhor Coelho desaparecido!...  
  
A Lagartixa, porém, farejava alguém comível, disparando na direção entrevista e respondia já de longe, em tremido gritinho:

- O Gulmir... Ele escreveu lá do País das Alices... 
    
     "Não vamos tomar esse dito por dito totalmente ainda"- se disse Alice, torcendo as mãos. Nervosa? Claro que estava nervosa. De repente, não sabia como ficara tanto tempo sem notícias de seu País e do Senhor Coelho de Luvas Brancas. ADIB ! O nome do auxiliar do Ministro veio-lhe à mente como uma explosão. Uma explosão de possibilidades: claro, claríssimo! Utilizaria a via secreta que tinham combinado e Adib teria que responder pelo código de urgência. Isso!

- Isso e mais chouriço! - ouviu de uma voz consideravelmente debochada. Ou irônica, como se diria de forma culta.

-Senhor Chapeleiro! Não me lembro de tê-lo chamado.Sequer mencionado foi!

- Queridíssima! Já se esqueceu que eu pouco ligo para formalidades?
- Sei... Afinal, se veio, terá algo a...

-Acrescentar! Eu sempre acrescento. Pois o Senhor Coelho de Luvas Brancas, ex-Ministro, foi seduzido por um revolucionário de uma tal de ULSRA e tornou-se pessoa non grata na Cidade das Rainhas. Parece que somente a Rainha do Norte tem-lhe ainda alguma simpatia e já gestionou para sua salvação... Terá que pedir, Alice, para que eu lhe conte o mais importante!

-Eu  peço, eu peço...

- É a resposta para a charada, Alice: O mais importante eu peço é o que você precisa saber dizer . Ou o que você precisa saber dizer é o mais importante...

-Céus! O senhor continua o mesmo Chapeleiro Maluco da Outra História, a da Alice Literária.Estamos noutros tempos! Gulmir é da minha história...

-Bobagem! Meu relógio continua atrasando ou adiantando alguns tempos, mas as charadas são as mesmas e Reis e Rainhas adoram subversivos para cortar-lhes as cabeças! Parece que agora os preferidos para perderem as cabeças são os corruptos e corruptores...No mesmo dá...

-A Rainha do Sul vai cortar a cabeça do Senhor Coelho? É o que significa a sua charada?

-Eu lhe disse o mais importante. Você tem só que pedir pelo mais importante ainda com a pessoa mais importante! Ah, e seu cabelo continua precisando de um bom corte, Alice!

      Ela precisava entender o que estava acontecendo para as historias entrecruzadas das Alices terem invadido o seu dia com o Senhor Coelho correndo perigo e tudo -como- antes -no -Reino -de -Abrantes!

      Alice caminhava para lá e para cá, tentando resolver alguma coisa da confusão que havia em sua própria cabeça, quando a voz‘quá´quá’ e meio rouca, explodiu nos seus ouvidos:

-Não devia ter desafiado a Tartaruga Falsa, Alice! Você sabe o quanto ela é sentimental!

       Isso foi dizendo a pata quadriculada de amarelo e azul sem nenhuma pausa, depois de gritar quem era e de onde vinha! Alice reclamou em altos brados: afinal, estava bem nervosa!

-Quando que eu fiz isso, dona Pataquá? Está me deixando maluca por querer totalmente? E quem é essa tal de Tartaruga Falsa?

-Tem razão! Por um momento pensei que você fosse a Outra....

-A tal Alice, Literária?! Bah! Estou ficando chateada com essa contínua confusão... Minha história é um pouco ‘planejada ou  lógica ou até meio previsível’, o que quer dizer talvez um tanto ‘século vinte e um demais’... Então, eu entendo que vocês me estranhem. Afinal, sou uma Alice convidada entre tantas que já vieram aqui e sempre com o mesmo começo de história...

-É que você é moderninha demais para nosso gosto. E não é nada sentimental! A convidada anterior, por exemplo, era chorona! Nisso, você é melhor do que ela... Ela molhou minhas penas com a choradeira de despedida!

-Como dizia um sábio lá da terra, a virtude está no meio : só chorei um pouquinho para convencer o Senhor Coelho a salvar Gulmir!!!

- Só que o Lacaio-Sapo da Rainha , que não é nenhuma -das –suas-Rainhas , não entende de sábios da sua terra e acabou de entregar a sentença do Senhor Coelho!

-Não me diga! Não quero ouvir! Se for “cortem-lhe a cabeça’ , ele estará nas  mãos do Rei e o Rei não gosta dele nem de mim pelo que comentou com meu recente amigo, o Senhor  Gato Some-e-Aparece!

-Não, a sentença foi diferente desta vez!

- Vá então contando, dona Pataquá! Virou uma pata cruel por acaso?

- Cruel é o pedido da Rainha que virou a sentença do Senhor Coelho! Ela ficou sabendo disso por um terráqueo, como você!

- Pedido que fica sendo a sentença e que é cruel?! Que tem a Terra a ver com isso?

-A rainha ficou sabendo que na Terra amputam a pata dos coelhos que são transformadas em talismã para dar sorte! Ela mandou amputar uma pata dele, mas ordenou que você mande a pesquisa completa!

-Pesquisa completa?!

-Sim, se é a pata esquerda, se é a direita ou se é das dianteiras, ou traseiras... E também como o talismã é magicamente feito!

-Claro que não farei isso: não mandarei nenhum documento esclarecedor para essa Rainha! Tal procedimento é contra as nossas leis: é crueldade contra os animais! Além disso é uma boba superstição.

-Dê um jeito de mandar dizer isso a ela!

-Você é o nosso contato diplomático, dona Pataquá! Você deve voltar e dar a resposta de sua... de sua...

-De minha missão?! Que a Santa das Patas quá Amarelas – Quadriculadas não permita! Ficarei com você, Alice, aqui na Terra! Gostei dessas Leis de que falou!

-Mas e o Senhor Coelho e a pata dele que querem extirpar?!

- ADIB já tem as coordenadas e seu Amigo Gulmir está a postos e concordou em despachar  o Coelho para a Terra! Talvez ele mesmo embarque também, se couber na  nave automática que foi roubada dos RACIEN...

-Mas isso é certo? Posso ficar descansada?

-Pode sestear a tarde toda: à noitinha eles devem estar despencando do céu!

-Então, não entendo por que motivo me apavorou com o tal pedido da Rainha sobre o... talismã de pata de coelho! Agora já não sei se posso confiar em você, Pataquá!

- Ah, foi uma maldezinha à toa! Na verdade, eu estava curiosa sobre esse talismã e queria informações! Estou aqui justamente para deixá-la descansada e quem me mandou foi Gulmir...Ele disse que o Senhor Coelho está livre de sua ‘quase tragédia’ e que ficará asilado aqui na Terra até conseguir o perdão das Rainhas.


*ESTE CONTO É UM PRESENTE DO
BLOG 'OI, ALICE' PARA SUA LEITURA,
COM AUTORIA, É CLARO, DE THERESA.

Nenhum comentário:

Postar um comentário